Disse
então Jesus a Santa Margarida Maria:
"Eis o Coração que tanto
amou os homens, que nunca se poupou, até se esgotar e se consumir para lhes
demonstrar o Seu amor. E como reconhecimento eu só recebo da maior parte
dos homens ingratidões, pelas suas irreverências e seus sacrilégios, e pelas
friezas e os desprezos que têm para comigo neste sacramento de amor
(Eucaristia). Mas aquilo que ainda é para mim mais doloroso é que são
corações que me são consagrados que me tratam assim."
Jesus a
Santa Margarida Maria Alacoque (16 de Junho de 1675)[1]
Dentre os atributos de Deus destacam-se
como mais “visíveis” a majestade, a grandeza, a onipotência e outros
semelhantes. São mais fáceis de serem entendidos, pois, ainda que não
consigamos alcançar a verdadeira dimensão desses atributos, eles de certa forma
nos atingem mais diretamente devido à nossa pequenez e fragilidade diante da
vida. No Antigo Testamento esses são os atributos postos em primeiro plano.
Essa face que mostra o poder de Deus nos leva à reverência, ao temor, ao
respeito e a outras atitudes e posturas semelhantes. Quero hoje destacar, no
entanto, outra face de Deus, visando o aumento da reverência e do amor que
devemos a Ele. Salve Maria!
Foi preciso esperar um longo tempo para
que a humanidade pudesse ver a dimensão do amor que Deus tem por ela. A Revelação
deste mistério vem numa intensificação impressionante desde a Anunciação:
Anunciação; Nascimento de Jesus; Vida pública; Paixão e Morte; Ressurreição;
Ascensão; Pentecostes; História da Igreja (continuação da Encarnação e da
presença de Jesus) e a cada etapa dessa história mais se revela aos nossos
olhos o tamanho, a beleza, a profundidade do amor de Deus. Revelação um tanto
peculiar, pois por um lado nos esclarece, mas por outro nos deixa pasmos e
estupefatos. Esclarece-nos por provar cada vez com mais eloquência que Deus nos
ama; e nos deixa estupefatos por dar a impressão de que o mistério desse amor
fica cada vez mais insondável. Quero ilustrar o que estou dizendo com um
exemplo: toda a Paixão de Cristo foi uma prova de amor além de toda a medida,
não teríamos que esperar algo além disso, mas o que acontece algum tempo depois
de sua morte? Ah o que acontece é algo de maravilhoso! Acontece o Pentecostes.
Os discípulos serão revestidos pela força do Espírito Santo e então aqueles que
fugiram de pavor para não se unirem a Cristo nos padecimentos da Cruz darão suas vidas a Deus
generosamente através de crudelíssimos martírios. O amor de Deus dá aí mais
provas, sofrendo e morrendo novamente em cada um de seus mártires! Este breve
exemplo ilustra a contento o que estou falando, ainda que muitos outros pudessem
ser dados. A seguir quero então falar de mais uma etapa dessa Revelação do Amor
de Deus.
Deus revelou seu coração. Revelou-o
em chamas, rodeado de espinhos e encimado por uma cruz. Tal revelação ocorreu
no século XVII a uma religiosa chamada Santa Margarida Maria Alacoque e foi
aprovada pela Igreja. Junto com tal revelação fez Nosso Senhor várias
promessas, não falarei sobre elas aqui para não alongar muito este artigo, mas
espero que o leitor procure conhecê-las ou aprofundar-se nelas caso já as
conheça. Mais uma etapa na interminável série de fatos que provam o amor de
Deus por nós.
Comecei a ler há alguns dias o
excelente livro do Padre Mateo Crawley[2],
um grande apóstolo do Sagrado Coração. Ele divulgou a excelente devoção da
Entronização, na qual o Coração Sacratíssimo de Jesus é entronizado na família
(através de uma imagem) com vistas a ter Jesus como Rei para agradá-Lo em tudo.
Esta entronização foi feita há alguns anos em minha casa, essa obra maravilhosa
chegou até mim e isso me faz lembrar do artigo do Creio “(creio) Na comunhão dos santos”, verdadeira e santa comunhão esta
que faz com que sejamos beneficiados por quem nunca nos conheceu porque Deus,
que a todos conhece, dispensa suas graças segundo Seus santos desígnios. Pois
bem, esse livro tem me levado à reflexão de um aspecto muito importante da vida
espiritual: a familiaridade com Deus; o afeto por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Tentemos entender a seguir o que isto significa.
O amor reside principalmente na
vontade e não nos afetos, pois amar é uma decisão e não algo que dependa de
sentimentos, que muitas vezes não podem ser controlados. Para exemplificar:
quantas vezes sentimos raiva sem o querer? Quantas vezes sentimos alegria por
aquilo que não deveria nos alegrar? E assim por diante. Tudo isso prova que os
sentimentos não são sempre absolutamente controláveis. É preciso um grande grau
de virtude para alcançar o controle sobre eles. Sendo assim podemos dizer que
não é pelos afetos que se começa a amar a Deus, mas pela vontade, ou seja, pela
decisão que tomamos em servi-Lo. Por outro lado, tudo em nós deve se dirigir
para Deus, inclusive os afetos. Creio, portanto, que faça parte do progresso
espiritual o despertar de nossos afetos para Nosso Senhor Jesus Cristo. É isto
o que o Sagrado Coração vem mostrar. Justamente na época da heresia jansenista,
que propunha a Deus um respeito mal compreendido, é que surge a revelação do
Sagrado Coração para lembrar que familiaridade, amizade, afeto e proximidade
também se aplicam a Deus e tudo isso, é claro, sem prejuízo da adoração e
reverência que a Ele devemos.
O amor exercido somente pela vontade
já é o suficiente e já tem toda a essência do amor verdadeiro, mas a faltar-lhe
o afeto falta-lhe uma propriedade. Entendamos com uma analogia: um cachorro com
três patas é, essencialmente, tão cachorro como um cachorro com quatro patas,
no entanto, ao olhar para o cachorro de três patas logo notamos que a ele falta
algo que lhe é devido segundo sua natureza. Vejamos outro exemplo: pense-se
numa mãe que cumpre todos os seus deveres perfeitamente sem, contudo, sentir
pelos filhos nenhum afeto; não se lhe poderia censurar-lhe por falta de amor,
pois pela faculdade da vontade cumpre seus deveres e assim de fato os ama, mas
é impossível negar que falta algo a esse amor. O amor exercido unicamente pela
vontade (suposto que seja isto possível) é um amor incompleto. Cristo nos amou
com um amor pleno; um amor que Ele exercia em grau sumo pela vontade e pelos
afetos. Na agonia por Ele padecida no horto das Oliveiras pode-se ver o amor
exercido pela vontade; em outras circunstâncias podemos ver seus afetos se
sobressaindo: compadecido da multidão faminta, multiplicou pães[3];
transformou água em vinho[4];
ajudou milagrosamente os apóstolos a pescarem[5];
olhando com amor o jovem rico[6];
sarando a orelha de um guarda que viera prender-lhe[7];
etc. Gostaria de dizer com toda a clareza o seguinte: além de amar Nosso Senhor Jesus Cristo
precisamos também gostar dEle: Ele
quis estar conosco, queiramos nós estar com Ele, falar sobre Ele, dialogar com
Ele, servi-Lo, obedecê-Lo em tudo. Deus, a quem nada atinge, é atingido pelo
nosso pecado, o Sagrado Coração também nos mostra isto; Deus, que encontra em
si mesmo a felicidade infinita, se entristece pelos nossos pecados porque assim
o quis em seus eternos desígnios e para isso assumiu de uma vez por todas a
natureza humana inteira, com todas as suas faculdades e assim como nos amou com
todas elas quer de nós um amor igualmente completo. Saiamos da mera atrição,
saiamos do mero temor servil, ambos válidos e louváveis, mas insuficientes para
darmos a Nosso Senhor o que Ele realmente merece.
Esse Coração é o Sagrado, é o
Coração de Jesus; um coração cujo fogo constrói e destrói, constrói virtudes
para o Paraíso e destrói os vícios. Coração cujas labaredas erguem as almas
para o céu, labaredas feitas de um fogo não inconstante como o material, mas de
um fogo eterno cuja luminosidade se contrapõe àquele fogo cheio de trevas que
só começou a existir devido ao pecado. Coração formado para os homens no seio
puríssimo de Maria, que bateu por eles ininterruptamente por 33 anos numa vida
repleta de sofrimentos, parou de bater por eles e por eles voltou a bater, e
ainda por eles, sempre por eles, nunca mais parará de bater! Deo Gratias!
Sacratíssimo Coração de Jesus, fazei o nosso coração semelhante ao Vosso!
[1] http://senzapagare.blogspot.com/2015/06/eis-o-coracao-que-tanto-amou-os-homens.html
[2] Um
livro tão ilustre certamente não precisa de minhas recomendações, mas é o
próprio Padre Mateo quem pede para que o recomendemos e aqui estou para
obedecê-lo: Trata-se do livro “Jesus, Rei
de Amor”.
[3]
(Mateus 14, 13-21).
[4]
(João 2).
[5]
(João 21, 6).
[6]
Marcos 10, 21.
[7]
(Lucas 22, 51).