Por Uma Intelectualidade Cristã!







domingo, 14 de julho de 2019

AMAR JESUS E GOSTAR DELE


                  Disse então Jesus a Santa Margarida Maria:

"Eis o Coração que tanto amou os homens, que nunca se poupou, até se esgotar e se consumir para lhes demonstrar o Seu amor. E como reconhecimento eu só recebo da maior parte dos homens ingratidões, pelas suas irreverências e seus sacrilégios, e pelas friezas e os desprezos que têm para comigo neste sacramento de amor (Eucaristia). Mas aquilo que ainda é para mim mais doloroso é que são corações que me são consagrados que me tratam assim."

Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque (16 de Junho de 1675)[1]

            Dentre os atributos de Deus destacam-se como mais “visíveis” a majestade, a grandeza, a onipotência e outros semelhantes. São mais fáceis de serem entendidos, pois, ainda que não consigamos alcançar a verdadeira dimensão desses atributos, eles de certa forma nos atingem mais diretamente devido à nossa pequenez e fragilidade diante da vida. No Antigo Testamento esses são os atributos postos em primeiro plano. Essa face que mostra o poder de Deus nos leva à reverência, ao temor, ao respeito e a outras atitudes e posturas semelhantes. Quero hoje destacar, no entanto, outra face de Deus, visando o aumento da reverência e do amor que devemos a Ele. Salve Maria!
            Foi preciso esperar um longo tempo para que a humanidade pudesse ver a dimensão do amor que Deus tem por ela. A Revelação deste mistério vem numa intensificação impressionante desde a Anunciação: Anunciação; Nascimento de Jesus; Vida pública; Paixão e Morte; Ressurreição; Ascensão; Pentecostes; História da Igreja (continuação da Encarnação e da presença de Jesus) e a cada etapa dessa história mais se revela aos nossos olhos o tamanho, a beleza, a profundidade do amor de Deus. Revelação um tanto peculiar, pois por um lado nos esclarece, mas por outro nos deixa pasmos e estupefatos. Esclarece-nos por provar cada vez com mais eloquência que Deus nos ama; e nos deixa estupefatos por dar a impressão de que o mistério desse amor fica cada vez mais insondável. Quero ilustrar o que estou dizendo com um exemplo: toda a Paixão de Cristo foi uma prova de amor além de toda a medida, não teríamos que esperar algo além disso, mas o que acontece algum tempo depois de sua morte? Ah o que acontece é algo de maravilhoso! Acontece o Pentecostes. Os discípulos serão revestidos pela força do Espírito Santo e então aqueles que fugiram de pavor para não se unirem a Cristo nos  padecimentos da Cruz darão suas vidas a Deus generosamente através de crudelíssimos martírios. O amor de Deus dá aí mais provas, sofrendo e morrendo novamente em cada um de seus mártires! Este breve exemplo ilustra a contento o que estou falando, ainda que muitos outros pudessem ser dados. A seguir quero então falar de mais uma etapa dessa Revelação do Amor de Deus.
            Deus revelou seu coração. Revelou-o em chamas, rodeado de espinhos e encimado por uma cruz. Tal revelação ocorreu no século XVII a uma religiosa chamada Santa Margarida Maria Alacoque e foi aprovada pela Igreja. Junto com tal revelação fez Nosso Senhor várias promessas, não falarei sobre elas aqui para não alongar muito este artigo, mas espero que o leitor procure conhecê-las ou aprofundar-se nelas caso já as conheça. Mais uma etapa na interminável série de fatos que provam o amor de Deus por nós.
            Comecei a ler há alguns dias o excelente livro do Padre Mateo Crawley[2], um grande apóstolo do Sagrado Coração. Ele divulgou a excelente devoção da Entronização, na qual o Coração Sacratíssimo de Jesus é entronizado na família (através de uma imagem) com vistas a ter Jesus como Rei para agradá-Lo em tudo. Esta entronização foi feita há alguns anos em minha casa, essa obra maravilhosa chegou até mim e isso me faz lembrar do artigo do Creio “(creio) Na comunhão dos santos”, verdadeira e santa comunhão esta que faz com que sejamos beneficiados por quem nunca nos conheceu porque Deus, que a todos conhece, dispensa suas graças segundo Seus santos desígnios. Pois bem, esse livro tem me levado à reflexão de um aspecto muito importante da vida espiritual: a familiaridade com Deus; o afeto por Nosso Senhor Jesus Cristo. Tentemos entender a seguir o que isto significa.
            O amor reside principalmente na vontade e não nos afetos, pois amar é uma decisão e não algo que dependa de sentimentos, que muitas vezes não podem ser controlados. Para exemplificar: quantas vezes sentimos raiva sem o querer? Quantas vezes sentimos alegria por aquilo que não deveria nos alegrar? E assim por diante. Tudo isso prova que os sentimentos não são sempre absolutamente controláveis. É preciso um grande grau de virtude para alcançar o controle sobre eles. Sendo assim podemos dizer que não é pelos afetos que se começa a amar a Deus, mas pela vontade, ou seja, pela decisão que tomamos em servi-Lo. Por outro lado, tudo em nós deve se dirigir para Deus, inclusive os afetos. Creio, portanto, que faça parte do progresso espiritual o despertar de nossos afetos para Nosso Senhor Jesus Cristo. É isto o que o Sagrado Coração vem mostrar. Justamente na época da heresia jansenista, que propunha a Deus um respeito mal compreendido, é que surge a revelação do Sagrado Coração para lembrar que familiaridade, amizade, afeto e proximidade também se aplicam a Deus e tudo isso, é claro, sem prejuízo da adoração e reverência que a Ele devemos.
            O amor exercido somente pela vontade já é o suficiente e já tem toda a essência do amor verdadeiro, mas a faltar-lhe o afeto falta-lhe uma propriedade. Entendamos com uma analogia: um cachorro com três patas é, essencialmente, tão cachorro como um cachorro com quatro patas, no entanto, ao olhar para o cachorro de três patas logo notamos que a ele falta algo que lhe é devido segundo sua natureza. Vejamos outro exemplo: pense-se numa mãe que cumpre todos os seus deveres perfeitamente sem, contudo, sentir pelos filhos nenhum afeto; não se lhe poderia censurar-lhe por falta de amor, pois pela faculdade da vontade cumpre seus deveres e assim de fato os ama, mas é impossível negar que falta algo a esse amor. O amor exercido unicamente pela vontade (suposto que seja isto possível) é um amor incompleto. Cristo nos amou com um amor pleno; um amor que Ele exercia em grau sumo pela vontade e pelos afetos. Na agonia por Ele padecida no horto das Oliveiras pode-se ver o amor exercido pela vontade; em outras circunstâncias podemos ver seus afetos se sobressaindo: compadecido da multidão faminta, multiplicou pães[3]; transformou água em vinho[4]; ajudou milagrosamente os apóstolos a pescarem[5]; olhando com amor o jovem rico[6]; sarando a orelha de um guarda que viera prender-lhe[7]; etc. Gostaria de dizer com toda a clareza o seguinte: além de amar Nosso Senhor Jesus Cristo precisamos também gostar dEle: Ele quis estar conosco, queiramos nós estar com Ele, falar sobre Ele, dialogar com Ele, servi-Lo, obedecê-Lo em tudo. Deus, a quem nada atinge, é atingido pelo nosso pecado, o Sagrado Coração também nos mostra isto; Deus, que encontra em si mesmo a felicidade infinita, se entristece pelos nossos pecados porque assim o quis em seus eternos desígnios e para isso assumiu de uma vez por todas a natureza humana inteira, com todas as suas faculdades e assim como nos amou com todas elas quer de nós um amor igualmente completo. Saiamos da mera atrição, saiamos do mero temor servil, ambos válidos e louváveis, mas insuficientes para darmos a Nosso Senhor o que Ele realmente merece.
            Esse Coração é o Sagrado, é o Coração de Jesus; um coração cujo fogo constrói e destrói, constrói virtudes para o Paraíso e destrói os vícios. Coração cujas labaredas erguem as almas para o céu, labaredas feitas de um fogo não inconstante como o material, mas de um fogo eterno cuja luminosidade se contrapõe àquele fogo cheio de trevas que só começou a existir devido ao pecado. Coração formado para os homens no seio puríssimo de Maria, que bateu por eles ininterruptamente por 33 anos numa vida repleta de sofrimentos, parou de bater por eles e por eles voltou a bater, e ainda por eles, sempre por eles, nunca mais parará de bater! Deo Gratias! Sacratíssimo Coração de Jesus, fazei o nosso coração semelhante ao Vosso!


[1] http://senzapagare.blogspot.com/2015/06/eis-o-coracao-que-tanto-amou-os-homens.html
[2] Um livro tão ilustre certamente não precisa de minhas recomendações, mas é o próprio Padre Mateo quem pede para que o recomendemos e aqui estou para obedecê-lo: Trata-se do livro “Jesus, Rei de Amor”.
[3] (Mateus 14, 13-21).
[4] (João 2).
[5] (João 21, 6).
[6] Marcos 10, 21.
[7] (Lucas 22, 51).