Por Uma Intelectualidade Cristã!







terça-feira, 22 de janeiro de 2019

POR QUE VOSSA SENHORIA NÃO REZA O TERÇO?


         Dedico este artigo aos católicos que conhecem o Rosário, já ouviram falar abundantemente de seus benefícios e estão convencidos deveras de que essa arma é poderosa; não obstante, desgraçadamente, não possuem o hábito de rezá-lo todos os dias.
            Não pretendo ofender, mas exortar; não ferir, mas ajudar na cura; não julgar, mas auxiliar em um exame de consciência sobre este ponto.
            Não é possível imaginar alguma justificativa plausível para essa negligência em certos casos. Veja:
1- Acredita Vossa Senhoria que o terço é um meio seguro de alcançar a salvação?
Resposta: Sim.
2- Reza então Vossa Senhoria o terço todos os dias?
Resposta: Não.
            Acredito que as duas perguntas acima reflitam o caso de muitos. Confesso que tenho dificuldade em entender tal fenômeno, e sinto diante dele certa indignação. Mas a indignação por si só nada resolve, é preciso tentar entender os problemas e apontar, na medida de nossas capacidades, algum remédio. Creio que refletir sobre essa negligência e chamar a atenção para ela já seja, de certa forma, uma parte da solução.
            Para os que já possuem certa caminhada no catolicismo; conhecem a crise pós conciliar pela qual a Igreja passa; ouviram palestras sobre o Rosário; ouviram inúmeras recomendações para que se o reze; enfim, para os que possuem uma consciência amplamente esclarecida a esse respeito, o fenômeno se apresenta ainda mais insólito. Para esses tais a condescendência ainda poderia talvez encontrar justificativas para não rezar o Rosário completo (os quinze mistérios), posto que um pouco árduo; para não haver adquirido tais e tais virtudes, por se tratar de difíceis aquisições; para não se confessar com freqüência, pois é preciso fazer o exame de consciência, procurar um padre etc. Entretanto, por maior que seja a condescendência, não é possível justificar com facilidade o fato de ainda não haverem sequer adquirido a prática do terço (cinco mistérios) diário.
            Será cegueira? Preguiça? Falta de Fé? Tudo isso ao mesmo tempo? Podem ter certa influência, mas não creio que sejam as causas principais; não se forem consideradas pelo prisma puramente natural. Cegueira? Não o creio. Há pessoas que conhecem bem o poder do terço, ao menos conhecem teoricamente e esse conhecimento teórico já seria o suficiente para que abraçassem essa prática tão simples e ao mesmo tempo tão poderosa. Preguiça? Não pode ser! Duvido muito! Pessoas ativas, trabalhadoras, solícitas e que conhecem o terço e seus benefícios, mas não o rezam. Falta de Fé? Pouco provável. Não é preciso uma Fé tão firme para abraçar essa prática tão salutar. As pessoas às quais me refiro talvez possuam Fé muito mais que o suficiente para rezar o terço todos os dias e ainda assim não o rezam.[1]          
            Há algo, no entanto, que podemos afirmar com certeza: o arqui-inimigo do homem odeia o Rosário. Apontar o Diabo como causa de um mal é um truísmo. Há, no entanto, truísmos que precisam ser constantemente relembrados. Que o terço é uma arma poderosa também é um truísmo para muitos, e quão poucos agem de acordo com essa obviedade! O Demônio esforça-se para afastar as pessoas da piedosa prática de rezar o terço. E para isso usa de mil e um estratagemas. Cega a pessoa? Cega-a, evidentemente. Mas não de qualquer cegueira, mas de uma cegueira particularmente diabólica que deixa permanecer a inteligência que serve ao mundo e faz não ver um palmo na frente do nariz no que se refere à vida espiritual e ao fim último do ser humano. Faz a pessoa ter preguiça? Sim. Mas não qualquer preguiça, mas uma preguiça particularmente diabólica que deixa permanecer um ânimo excepcional para divertimentos e afazeres variados, mas produz uma languidez mórbida no que se refere à salvação da alma. Obviamente o demônio utiliza-se também de nossa natureza decaída, que é célere para as coisas do mundo e extremamente lenta para as coisas de Deus.
            Há muito que progredir na vida espiritual e no amor a Deus. Rezar apenas um terço por dia não é o ideal; rezar o Rosário inteiro (quinze mistérios) é mais perfeito. E isso ainda não é tudo. Uma série de outras coisas pode ser feitas e um grau muito alto de perfeição pode ser alcançado pela graça de Deus. Mas é possível dizer que a partir do Rosário poder-se-ão alcançar todas essas outras coisas necessárias para a vida espiritual. E para não ficar isso baseado nas minhas palavras, cito agora uma obra intitulada “O poder admirável do Santo Rosário”[2]:

            “Vejamos os benefícios que São Luís Maria Grignion de Montfort nos aponta, entre outros, para os que rezam o Rosário e ao mesmo tempo meditam seus Mistérios:
1. Obteremos de Deus toda espécie de graças;
2. Nossas almas serão purificadas do pecado;
3. Venceremos nossos inimigos;
4. Teremos mais facilidade na prática da virtude;
5. Seremos mais abrasados no amor de Jesus Cristo;
6. Seremos insensivelmente elevados ao perfeito conhecimento de Jesus Cristo;
7. Seremos habilitados a pagar nossas dívidas para com Deus e os homens.
            (Cfr. Obras de San Luis Maria Grignion de Montfort, El secreto admirable del Santissimo Rosario, Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid,1954, p. 353).
            Transcrevemos a seguir as promessas feitas por Nossa Senhora a São Domingos de Gusmão e ao Beato Alano de la Roche:
1. A todos aqueles que recitarem devotamente o meu Rosário, eu prometo minha proteção toda especial e graças imensas.
2. Quem perseverar na recitação do meu Rosário receberá graças assinaladas.
3. O Rosário será uma armadura muito poderosa contra o inferno; ele destruirá os vícios, libertará do pecado, dissipará as heresias.
4. O Rosário fará florescer as virtudes e as boas obras e obterá para as almas as misericórdias divinas as mais abundantes; ele substituirá dentro dos corações o amor de Deus ao amor do mundo, elevando-os ao desejo dos bens celestes e eternos. Quantas almas se santificarão por este meio!
5. Quem se confiar a mim através do Rosário, não se condenará jamais.
6. Quem recitar piedosamente o meu Rosário, contemplando os seus mistérios, não será prostrado pelo mal. Se for pecador, ele se converterá; se for justo, ele crescerá em graça e se tornará digno da vida eterna.
7. Os verdadeiros devotos do meu Rosário serão ajudados na hora da morte com os socorros do Céu.
8. Aqueles que recitam o meu Rosário encontrarão durante sua vida e na hora da morte a luz de Deus, a plenitude de suas graças e participarão dos méritos dos bem-aventurados.
9. Eu livrarei prontamente do purgatório as almas devotas do meu Rosário.
10. Os verdadeiros filhos do meu Rosário gozarão uma grande glória no Céu.
11. Aquilo que for pedido através do meu Rosário, será alcançado.
12. Aqueles que propagarem o meu Rosário serão socorridos por mim em todas as suas necessidades.
13. Eu obtive de meu Filho que todos os confrades do Rosário tenham por irmãos, durante a vida e na morte, os santos do Céu.
14. Aqueles que recitam fielmente o meu Rosário são todos meus filhos bem amados, irmãos e irmãs de Jesus Cristo.
15. A devoção ao meu Rosário é um grande sinal de predestinação.”

            Depois tomar nota de todos esses benefícios e promessas e refletir sobre eles, não seria grave negligência manter-se ainda afastado dessa prática tão salutar? É a pergunta cuja resposta deixo ao encargo dos meus leitores. Tudo o que fazemos deve ser para a maior glória de Deus. De minha parte fico feliz de poder contribuir um pouco para o Reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo e, sinceramente, ficaria feliz se porventura um só dos que lêem este artigo fizerem o propósito de iniciar prontamente a prática de rezar um terço ou o Rosário completo (melhor ainda) todos os dias. Minha alegria seria ainda maior se logo ao terminar de lê-lo fosse imediatamente rezar o Rosário. Aos que tomarem tão feliz decisão peço que me incluam em suas orações. Salve Maria!


[1] Somente Deus pode alcançar essas consciências e saber o que exatamente se passa nessas almas, o que faço aqui é apenas uma sondagem mais ou menos provável.

[2] Liga do Santo Rosário.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

MINHA LIBERDADE COMEÇA QUANDO FAÇO O QUE É CERTO


      O liberalismo, como o próprio termo indica, possui a liberdade como principal bem. Mas que liberdade é essa? Vejamos a seguir, grosso modo, a visão liberal de liberdade:
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“Quem quer que faça o que deseja é feliz, se se bastar a si mesmo: é o caso do homem vivendo em seu estado natural.” (Rousseau, Emílio, Editora Bertrand, página 68)
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“O único indivíduo que faz o que quer é aquele que não tem necessidade, para fazê-lo, de pôr o braço de outros na ponta dos seus; do que se depreende que o maior de todos os bens não é a autoridade e sim a liberdade.” (Rousseau, Emílio, página 67)
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Kant definindo a ordem jurídica: “conjunto das condições em virtude das quais a liberdade de um pode coexistir com a liberdade de outro segundo a lei geral da liberdade.” (J.P. Galvão de Sousa, Iniciação à Teoria do Estado, página 57).
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“A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro.” (Herbert Spencer)
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“Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.
Art. 5º. A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.
Art. 6º. A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.” (Declaração dos direitos do homem e do cidadão)[1]
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Vejamos agora dois trechos católicos abordando o conceito de liberdade:
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“A liberdade consiste em poder viver mais facilmente conforme as prescrições da lei eterna, com o auxílio das leis civis.” (Leão XIII)[2]
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“Somos verdadeiramente livres quando obedecemos à finalidade ou à lei para que fomos criados, qual seja o desdobramento e desenvolvimento de nossa personalidade para a nossa eterna felicidade com Deus. (...) Deus implantou na natureza humana e em Sua Igreja as leis que nos permitem realizar a finalidade da vida e atingir os mais altos objetivos de nossa personalidade. Essas leis não são represas que detêm o progresso; são diques que impedem que as águas do egoísmo e da concupiscência invadam a terra. Se as obedecer ou fizer o que devo, serei livre. Se as desobedecer e fizer o que quiser, estarei agindo contra os mais altos interesses de minha natureza. Cada vez que peco, sou menos homem em razão disso, tal como a máquina em cujo uso se violam as intenções do fabricante é menos máquina.” (F. Sheen, O problema da liberdade, tradução de Augusto de Melo Saraiva, segunda edição, página 38).[3]
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         É importante notar que nos trechos católicos acima duas coisas ficam claras: a finalidade do homem, a saber: ir para o Paraíso; e que a liberdade deve servir para cumprir as leis de Deus. Além disso, a relação entre liberdade e finalidade última do homem fica perfeitamente estabelecida. As citações liberais, por sua vez, são vagas nesse ponto, pois quando se elege a liberdade como finalidade principal não se pode saber exatamente o que se pretende alcançar de fato. A conclusão a que se pode chegar, a partir desses trechos liberais, é a de que a liberdade seria agir, sem impedimentos, de acordo com a própria vontade. Apesar disso, acredito que seria caricatural concluir prontamente que as citações liberais acima advoguem que cada qual faça tudo o que queira. Há ali, de fato, um limite para a liberdade, e qual é esse limite? A curta frase de Herbert Spencer responde: A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro.A frase do Spencer mostra que a mentalidade liberal considera a liberdade como o valor principal. O que limita a minha liberdade? A liberdade do outro[4]. Ou seja, a liberdade é algo tão superior que só pode ser limitada por outra liberdade; é algo tão superior que só pode ser limitada em benefício da liberdade de outros, para que ela então se estenda para todos. Essa outra liberdade tem o mesmo valor que a minha, e por isso deve também ser preservada. Por que não devo matar? Porque isso seria uma ofensa à liberdade do outro. Porque não devo roubar? Porque isso seria uma ofensa à liberdade. Porque não devo enganar? Porque ofenderia a liberdade alheia. Essa mentalidade dá a entender que todos os valores morais estão submetidos a um valor regente: a liberdade. A liberdade então submete os valores morais; ela é o critério dos outros valores; pode-se dizer até que é a origem dos outros valores; e que estes só existem em decorrência dela. Abordando a questão da liberdade J.P.Galvão de Sousa diz com perspicácia que “A ‘ordem’ para o liberalismo resulta da simples conciliação das liberdades.”[5]
            A verdade católica não separa o que deve estar unido. Já a modernidade anti-católica traz a ruptura e a deformação: exalta a razão sem a revelação (racionalismo); a natureza sem a graça (naturalismo); a liberdade sem a verdade (liberalismo) e por isso o racionalismo leva ao irracionalismo; o naturalismo leva ao antinatural e o liberalismo leva à escravidão. A mentalidade oposta à Igreja separa o que Deus quis que estivesse unido;  pega então os frutos desse divórcio
e gera monstros, justamente o resultado contrário do que se teria se os elementos fossem preservados em seu devido lugar.
            As leis morais objetivas impostas por Deus devem ser o critério da ação humana e não a liberdade do outro, pois só é possível saber qual é a verdadeira liberdade do outro conhecendo os mandamentos. Quando se pratica a virtude a verdadeira liberdade alheia é respeitada de fato, mas quando se estabelece a liberdade como critério já não se pode saber exatamente o que é a liberdade, porque a liberdade não pode fundamentar-se a si mesma. Liberdade e obediência não são noções contraditórias, portanto devemos obedecer a Deus para sermos livres. Deve-se lembrar de que Deus não colocou a liberdade como foco dos seus mandamentos, colocou a caridade e, portanto, é pela caridade que se alcança a liberdade.



[3] Encontrei essa citação no livro de J .P. Galvão de Sousa “Iniciação à Teoria do Estado”, páginas 55 e 56.
[4] Aqui o sentido da palavra “liberdade” parece ser ausência de coação, poder fazer as coisas sem ser impedido, incomodado, punido etc.
[5] J .P. Galvão de Sousa “Iniciação à Teoria do Estado”, páginas 57.

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

O QUE OS FOGOS ME DIZEM


O ano acabou.
O que busquei?
O que amei?
O que sofri?
Em que falhei?
O que conquistei?

Ouço foguetes que não são meus.
Que conquistas esses estouros proclamam?
Serão conquistas de virtudes?
Mera festa gratuita?
Ou comemoração de males?
Que festeja tanto o mundo?
Que festeja se viveu nos mesmos vícios?
Que festeja se o propósito é continuar nos mesmos erros?

Os cachorros sentem medo.
E com razão, embora irracionais.
Pois esses fogos não trazem boas notícias.
Com seus ouvidos aguçados ouvem os fogos da impenitência.
Fogos que dizem: “embora errados aqui estamos para comemorar nossos erros.
Buscamos o que não devíamos e comemoramos isso.
Amamos o que não deveríamos ter amado e bebemos por isso.
Sofremos por coisas vãs e sofremos do modo errado e por isso banqueteamos.
Falhamos no essencial e conquistamos o secundário e dançamos por isso.
Temos metas para o ano que vem, e entre elas não está a conversão.”
Isso é o que o mundo e os seus fogos me dizem.
Isso é o que me diz o medo dos cães.
Os cães têm medo de fogos que estouram e passam
E os homens não têm medo do fogo que queima para sempre.