JESUS CRISTO É CRUCIFICADO
O Redentor é pregado na Cruz. As
mãos que abençoaram; as mãos que curaram; as mãos que consagraram o pão e o
vinho são atravessadas por pregos. Os pés que andaram no deserto; os pés que
percorreram longas distâncias em busca das ovelhas perdidas são igualmente
transpassados. Aqui se confirma mais uma vez uma constante na Vida de Nosso
Senhor: receber castigos pelo bem que faz.
Os homens em geral se aproveitam do
poder que têm para vingar qualquer afronta recebida. O Cordeiro de Deus, ao
contrário, mantém imóveis Suas Mãos Onipotentes para receber os golpes que as
atravessam. (Pai, perdoa-lhes, pois não
sabem o que fazem)
A Cruz, agora santificada por Deus
que se fez homem, agora unida àquele Corpo Redentor, é levantada. Os olhos da
Fé veem que nesse momento Deus é exaltado, mas outra é a intenção do mundo
corrompido, que levanta a cruz para expor Nosso Senhor ao escárnio. E é
exatamente isso o que fazem os corações endurecidos, passam pela cruz e se dirigem
a Cristo com zombarias, provocações e blasfêmias.
CRUCIFICADO ENTRE DOIS
LADRÕES
Deus tudo ordenou desde toda a
eternidade. Sabia que no momento da crucifixão estaria entre dois malfeitores e
quis, portanto, estar perto da miséria humana naquele momento decisivo para
mostrar que diante de nossos pecados há duas atitudes que podemos tomar:
arrependimento e súplica ou zombaria e obstinação.
O mal ladrão blasfemava, pedia uma
salvação, mas de modo a desafiar e duvidar: “Se és o Cristo, salva-te a ti
mesmo e salva-nos a nós!” O que queria esse ladrão? Ao que tudo indica queria a
salvação de sua vida, que lhe estava sendo tirada devido aos seus crimes.
Queria fugir do justo castigo que lhe fora infligido. Não queria, portanto, a
justiça, pois queria fugir injustamente; não queria a misericórdia, pois não se
arrependera de seus crimes. A salvação que ele pedia não era a salvação eterna,
era uma salvação terrena; pedia ao Deus crucificado uma salvação falsa para
continuar a ofendê-lo.
Contrária é a atitude do bom ladrão.
Primeiramente defende Nosso Senhor das blasfêmias do mau ladrão: “Nem sequer
temes a Deus, tu que sofres no mesmo suplício? Para nós isto é justo: recebemos
o que mereceram os nossos crimes, mas este não fez mal algum.” Ele não pensa em
si, ele pensa primeiramente em Deus; ele pensa primeiramente em cumprir um
dever de justiça defendendo Nosso Senhor. E depois de cumprir esse dever de
justiça, ele apela para a misericórdia: “Jesus, lembra-te de mim, quando
tiveres entrado no teu Reino!” E como é consolador pensar no que acontece
depois disso! Como é consolador ver em que medida Deus retribui aqueles que o
defendem, que o consolam! “Jesus respondeu-lhe: ‘em verdade te digo: hoje
estarás comigo no Paraíso’”.
O bom ladrão não pediu uma salvação
falsa, não pediu que Jesus lhe livrasse do castigo terreno que ele estava
recebendo. O que pediu então? Pediu uma lembrança de Deus. Vejam isso! Pediu
apenas que Deus se lembrasse dele! Um pedido tímido e delicado, como se não
ousasse pedir muito. Um pedido de quem sabe que não merece nada. Um pedido vago
e geral, sem conteúdo específico, submetendo-se assim à Vontade do Redentor.
Nosso Senhor percebeu os anseios daquela alma, pois o Criador sabe o que a alma
humana deseja, e diante de um pedido tão singelo deu o Paraíso ao bom ladrão.
Este insigne malfeitor arrependido
pediu que Nosso Senhor se lembrasse dele, e isso bastou, pois uma mera
lembrança de Deus já significa a nossa salvação. Que bela cena essa! A
humildade de um pecador e a magnanimidade de Deus; a singeleza de um pedido e a
grandiosidade do que é concedido; a esperança de algo bom e o alcance do Sumo
Bem.
DIVIDIRAM ENTRE SI AS VESTES
DE CRISTO
“Depois
de o haverem crucificado, dividiram suas vestes entre si, tirando à sorte.” (Mateus
27, 35).
A pilhagem não poderia ser mais
completa: roubam-lhe a realeza; roubam-lhe a vida e até suas vestes são
roubadas. A malícia do roubo é de fato perpetrada, mas a rigor Deus não pode
ser roubado, pois tudo permanece sendo dEle. Tentam lhe roubar a realeza e isso
fará com que reine com ainda mais glória; tentam lhe roubar a vida e então ressuscitará
glorioso; tentam lhe roubar as vestes e então aparecerá vestido de majestade “O Senhor é rei e se revestiu de majestade”. (Salmo 92, 1).
Para que roubam as vestes de Cristo se
nenhum outro homem é digno de usá-las? Aí está novamente o germe da revolta, a
tentativa de usurpar o que é próprio de Deus.
Três são as possibilidades ao se
tocar as vestes do Senhor: aquela que as tocou com respeito e fé foi curada “Se tocar, ainda que seja na orla do seu
manto, estarei curada.” (Marcos 5, 28) os que tocaram Suas Vestes com
indiferença nada receberam;
e aqueles que as tocaram para o roubo tornaram-se culpados de um gravíssimo
sacrilégio.
“EIS AÍ TUA MÃE”
“Eis aí tua mãe” é o que diz Jesus do
alto da cruz para o discípulo amado. “Eis aí...” aí onde? Ao lado do discípulo
e em sua casa. Por uma concessão especial de Jesus crucificado Nossa Senhora
está sempre ao nosso lado. Mãe de Deus sem concurso do homem e Mãe dos homens
sem concurso do homem; Mãe de Deus por virtude do Espírito Santo e Mãe dos
homens por dádiva do Filho.
“Eis aí tua mãe” e que Mãe? Nada
menos que a Mãe do próprio Deus; esposa do Espírito Santo; Concebida sem pecado
original; a mais perfeita das criaturas. O Redentor segue fazendo o bem e não
hesita em nos dar por Mãe a sua própria Mãe. Contemplemos tudo isso e vejamos o
quanto somos devedores de Nosso Senhor e o quanto devemos nos esforçar para
retribuir tão grandes graças.
Ela é o nosso modelo de contemplação
e meditação, pois contemplou toda a vida de seu divino filho instante a
instante sem excetuar os momentos mais dolorosos. E tudo isso ela guardava no
seu coração como nos diz as Escrituras. Então que coração é esse? É o Imaculado
Coração. Sem pecado original, cheio de bondade e obediência. Um coração que,
não bastasse a perfeição com a qual foi por Deus concebido, contemplou o sofrimento
crudelíssimo sofrido pelo seu filho infinitamente inocente.
Quando Deus formava uma Mãe para si
pensava também em nós; e no auge de seu sofrimento revelou essa grande benção:
“Eis aí tua mãe”. Levemo-na para nossa casa como fez o discípulo amado.
Levemo-la para o nosso lar, para a nossa família, mas, sobretudo, para aquela
casa interior da qual o Senhor afirma que está à porta e bate; e qual não será
a sua alegria, se ao ser atendido, lá encontrar Sua Mãe Santíssima?
“TENHO SEDE”
“Em seguida, sabendo Jesus que tudo estava consumado,
para se cumprir plenamente a Escritura, disse: ‘Tenho sede’. Havia ali um vaso
cheio de vinagre. Os soldados encheram de vinagre uma esponja e, fixando-a numa
vara de hissopo, chegaram-lhe à boca. Havendo Jesus tomado do vinagre, disse:
‘tudo está consumado.’ Inclinou a cabeça e rendeu o espírito.” (João
19, 28-29).
Jesus tinha sede das almas. Essa
sede o acompanhou por toda a vida e no momento derradeiro ainda estava com Ele.
Essa sede não foi saciada, pois o vinagre não mata a sede; podemos então
concluir que a sede que acometia Nosso Senhor no momento próximo de sua morte
continuou com Ele para além dessa vida; Nosso Senhor morreu com sede. Levou
essa sede com Ele para a Glória Eterna da mesma forma que levou as cinco
chagas. As almas puras são a água cristalina que alivia essa sede e os pecados
são o vinagre que com seu azedume lhe flagelam o paladar. (Até seu paladar foi
flagelado)
Nosso Senhor finalizou sua obra
sorvendo o vinagre que lhe ofereciam. Essa bebida azeda foi o que lhe deram
para aliviar sua sede bendita “...na
minha sede deram-me vinagre para beber.” (Salmos 68, 22). Manifestando sua sede pelas almas, Ele
recebe o vinagre dos pecados, da indiferença, da zombaria e de toda sorte de
humilhações. Cristo quis morrer sem consolo, quis sofrer até o fim para a Redenção
do gênero humano. E quando bebe o vinagre diz “tudo está consumado”, como se
dissesse: “Não recebo nenhum consolo nesta hora derradeira; tudo ocorreu conforme
a Vontade do Pai. Levo essa sede de almas comigo para a Glória e sigo sofrendo
as ofensas do homem em meu Sagrado Coração.”
Depois dos mais atrozes sofrimentos, restava
ainda passar por um momento crucial; faltava receber o salário do pecado
alheio; faltava sofrer a morte. Vendo que tudo estava consumado entregou sua
vida livremente. Entregou ao Pai seu espírito; entregou ao Pai o sacrifício
perfeitíssimo, a obra completa. No Éden Deus havia dito ao homem que este morreria
caso pecasse, de modo que a morte só existe em decorrência do pecado. O que não
deve ter custado, portanto, a Nosso Senhor passar por esse terrível momento?
Ele passou por algo que Ele jamais quis que existisse: a morte. Quando Deus
disse para Adão que este morreria caso pecasse; já sabia que o pecado também
custaria a morte de seu Filho. E então, nesse momento decisivo, a consequência
do pecado se cumpre em sua máxima extensão: a morte do Filho de Deus. De fato,
o salário do pecado é a morte, não só dos pecadores, mas também a morte do
próprio Deus. Deus se fez homem, Deus nasceu, Deus sofreu e Deus morreu; tudo
pela redenção dos homens.
SANGUE E ÁGUA
Para atestar a morte de Jesus foi
ordenado que lhe quebrassem as pernas, mas Ele já havia morrido. Não obstante,
uma cruel, aguda e mortal lançada lhe é dada para atestar a morte. Depois de ser
brutalmente maltratado e crucificado é com um golpe, que por si só bastaria
para matá-Lo, que sua morte é confirmada. Desse ferimento saiu sangue e água. O
sangue é sinal da Eucaristia; a água sinal do Batismo; e por extensão esse
sangue e essa água benditos simbolizam todos os sacramentos e o nascimento da
própria Igreja. Assim como Eva nasceu do lado de Adão, a Igreja nasceu do lado
Cristo; assim como o homem é a cabeça da mulher; Cristo é a cabeça da Igreja.
Por ocasião de um golpe de lança
nasce a Igreja e isso nos lembra de que devemos carregar a nossa cruz e de que
nada de bom nos virá sem sofrimento. Também devemos notar que apesar de já
morto Cristo permitiu mais esse insulto; e mais uma vez aproveitou a violência
feita pelos homens para prodigalizar sua Graça.
JESUS CRISTO FOI SEPULTADO
Houve um dia em que a própria Vida
morreu e foi sepultada.
“Quando
era já tarde — pois era a Preparação, isto é, a vigília de sábado —, foi José
de Arimateia, membro ilustre do Sinédrio, que também esperava o reino de Deus,
apresentou-se corajosamente a Pilatos, e pediu-lhe o corpo de Jesus. Pilatos
admirou-se de que já estivesse morto; mandando chamar o centurião,
perguntou-lhe se estava já morto. Informado pelo centurião, deu o corpo a José.
José, tendo comprado um lençol, e tirando-o da cruz, envolveu-o no lençol,
depositou-o num sepulcro, que estava aberto na rocha, e rolou uma pedra para
diante da boca do sepulcro.” (Marcos 15, 42-47).
Depois de tantos ultrajes o Redentor
foi sepultado por um homem piedoso. José de Arimateia reparou (na medida de
suas possibilidades) as injustiças sofridas por Nosso Senhor. Ainda que
fossemos reparar apenas as injustiças sofridas durante a Sua Paixão não
poderíamos fazê-lo a contento, quanto mais reparar a multidão de ofensas que a
cada instante são perpetradas contra Nosso Senhor, e não obstante Ele aceita de
bom grado as boas obras que fazemos como aceitou o benefício feito por José de
Arimateia; e é Ele mesmo quem nos auxilia com sua Graça para que reparemos com
boas obras os estragos que o pecado faz.
José de Arimateia pode ser visto
como uma figura do que é a conversão: Jesus, depois de ser insultado, ferido e
morto devido à enormidade dos pecados, passa a ser respeitado por todo aquele
que se converte. O amor de José de Arimateia para com Jesus contrasta com a
violência sofrida anteriormente; assim como a vida de pecado contrasta com a
vida da Graça. Depois de toda essa dedicação por Nosso Senhor, incorporada na
atitude de José de Arimateia, a alma aguarda a Ressurreição e a Glória no
Paraíso.