Agora é de madrugada, eu estava lendo Corção.
Terei agora a ousadia de tentar imitá-lo. Imitá-lo em escrever, em expressar
reflexões que tenho em minha alma. Mas não poderei imitá-lo em seu nobre gênio,
em seu talento, em sua experiência. Todavia não pode ele escrever por mim, devo
fazê-lo por conta própria, certo de que ele perdoaria o ter inspirado alguém
tão desprovido.
Gustavo
Corção voltou para a casa suprema por volta dos quarenta, isto é, converteu-se
ao catolicismo. Soube muito bem, portanto, o que é o desterro. E talvez
exatamente por isso fale tanto sobre casa, a boca fala (ou a pena escreve) do
que está cheio o coração, e sou levado a crer que o coração do Corção (não foi
intencional esse trocadilho) estava cheio de aspiração pelo Paraíso. Como se
diz na Tradição Católica: “Casa do Pai”; “Morada dos eleitos” etc. O filho
pródigo entra em si e depois retorna
para entrar novamente na casa do Pai;
Deus diz aos eleitos: “entra no gozo do
teu Senhor”. O inferno, pelo contrário, é uma expulsão para as trevas exteriores; Adão e Eva foram expulsos, isto é, saíram. A oração “Salve Rainha” refere-se a esta vida como desterro. Este mundo nunca poderá ser a
Casa, mas quanto mais as Leis de Deus forem respeitadas mais poderá nos
oferecer constantes lembranças dessa morada eterna; e assim quanto mais o mundo
se aproxima de um lar, mais nos faz anelar pelo Paraíso; e quanto mais se
compraz no desterro mais se aproxima das trevas exteriores.
Permito-me
gabar-me de ser como ele, tão afeito a lembranças, tão contemplativo nas
pequenas coisas e tão zeloso das grandes coisas que se escondem nessas miudezas
que são guardadas na memória ou em objetos, intencionalmente ou por acidente. Permito-me
unir-me a ele no sentimento de voltar
para casa e encontrar sempre o mesmo portão que cumpre o papel da imobilidade
que faz lembrar o eterno. Ele fala de voltar para casa, de estar em casa; ele
relembra sua casa de infância; ele fala do caminho para a casa. Eu também sinto
tudo isso em minha alma estreita; sinto tudo isso quando viro as costas para o
mundo cruel e adentro meu lar portão adentro. Tirando o capacete a que me
obriga meu cavalo de ferro, sinto no coração, na alma e quase a me sair pela
boca uma epopéia resumida, contida e retumbante e seus versos me dizem que estou
onde devo. Vejo minha esposa e os pés dos meus filhos num vaguear aleatório
pelo chão e posso adivinhar-lhes o sorriso, prever o abraço e descansar.
Gustavo
Corção é um gigante. Lê-lo é conversar com um amigo ilustre e alargar o que em
minha alma pequena há de semelhante à sua, magnânima.