“In
patientia vestra possidebitis animas vestras” (Lucas
21, 19)
Pus-me hoje a refletir sobre a
paciência. Gostaria de compartilhar as conclusões a que cheguei. Evitarei, na
medida do possível, o uso de termos oriundos do vocabulário filosófico, e o
faço por falta de domínio de minha parte, bem como para facilitar a compreensão
do leitor não familiarizado a esses termos.
A paciência é uma virtude; um bom
hábito; uma qualidade; um bom atributo. Mas dizer isso é pouco, é preciso
especificá-la; defini-la para que nos aproximemos de sua essência. Pois bem, a
paciência é uma virtude que consiste em quê? Digo-o de modo simples: a
paciência é uma virtude que consiste em sofrer corretamente as adversidades.
Acompanhem-me nos desdobramentos de
tão simples definição.
As adversidades são os sofrimentos e
as dificuldades que nos acompanham ao longo da vida, e aqui não precisamos de
maiores elucubrações. As adversidades podem causar em nós três tipos de
sentimentos: tristeza, raiva e medo. Cada tipo desses comporta sentimentos
derivados ou próximos, por exemplo: da tristeza deriva o desânimo; da raiva a
pressa e o rancor; do medo a ansiedade e a apreensão. Esses sentimentos podem
nos levar, se permitirmos, a cometer pecados. Assim, a tristeza pode nos levar
à preguiça, ao desespero, etc.; a raiva pode nos levar a ofensas, a juízos
temerários e a uma série de outros pecados; e o medo pode nos levar, por
exemplo, a não confiarmos em Deus como deveríamos.
A virtude refere-se sempre a
escolhas e, portanto, a atos voluntários. Muitas das adversidades pelas quais
passamos são involuntárias e ocorrem independentemente de nossas escolhas e sem
que tenhamos culpa. Os sentimentos que decorrem das adversidades também não são
voluntários: quem censuraria alguém que ficou triste por perder um ente
querido? Quem censuraria alguém por sentir raiva ao sofrer uma injustiça?
Ninguém pode ser censurado pelos sentimentos que lhe acometem, pois eles são
parte da natureza humana e possuem uma utilidade cuja elucidação foge aos
propósitos do presente texto. Há, no entanto, importantes ressalvas a serem
feitas: ninguém pode ser responsabilizado por um sentimento que lhe acomete,
mas pode sim sê-lo pelos sentimentos provocados por sua própria escolha, pode
sê-lo também pelos incentivos que dá a esses sentimentos e pelo modo como lida
com eles, pois então há escolhas.
A batalha encampada pela virtude da
paciência bifurca-se então em duas trincheiras: moderar os sentimentos causados
pelas adversidades e resistir às tentações advindas desses sentimentos.
Ilustremos com uma situação hipotética: alguém perde um ente querido e com isso
obviamente ficará triste. A tristeza fará surgir em sua alma tentações inúmeras[1]:
entregar-se ao desespero; abandonar seus deveres de estado; revoltar-se contra
a Providência, etc. O que deve fazer neste caso para exercer a virtude da
paciência? Esforçar-se para desviar seu coração da tristeza (moderação dos
sentimentos) e resistir às tentações praticando o contrário do que elas
sugerem: se sugerem o desespero, praticará a esperança; se sugerem o abandono
dos deveres de estado cumpri-los-á com ainda maior diligência; se sugerem a
revolta contra a Providência, submeter-se-á em tudo à Vontade de Deus.
O Evangelho nos diz que a cada dia
basta o seu mal. Faz parte, portanto, da virtude da paciência o enfrentar as
dificuldades no momento oportuno, sem sofrimentos antecipados e sem reviver
dificuldades já superadas. O fato é que sofre-se muito por razões fictícias;
por adversidades futuras que não passam de meras hipóteses ou por aquelas que
dormem enterradas no passado. Não age pacientemente aquele que cai em tais
armadilhas.
Vê-se que, diferente do que parece,
a paciência está longe de ser uma virtude pacífica, pelo contrário, é uma
virtude guerreira, própria dos varonis, dos heróicos. Ela supõe uma enorme
capacidade de concentração, de vigilância espiritual, de domínio de nossa vida
interior; supõe ainda a contemplação diligente e assídua das Verdades da Fé.
Nunca é demasiado lembrar que nada se faz de realmente virtuoso sem a Graça de
Deus.
Esperar de modo correto também faz
parte da paciência, e geralmente é nesse sentido que ela é comumente entendida.
Quem espera algo logo se sente tentado a reclamar, a ceder à exasperação. Se
almejamos o céu, precisamos saber esperar; se almejamos as Graças de Deus,
precisamos saber esperar e até mesmo para alcançar a virtude da paciência
precisaremos saber esperar.
A virtude da paciência só adquire
seu verdadeiro sentido no âmbito sobrenatural, isto é, quando somos pacientes
por amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos por amor a
Deus. Isto inclui, obviamente, ser paciente tendo em vista o alcance, pela
Graça de Deus, do Paraíso.
[1] As
tentações não são provenientes apenas de nossa natureza ferida pelo pecado
original, mas também do demônio e do mundo. A paciência é, portanto, a luta
contra os três inimigos da alma: o demônio, o mundo e a carne.