Por Uma Intelectualidade Cristã!







sábado, 26 de maio de 2018

REFLEXÕES SOBRE A PACIÊNCIA


“In patientia vestra possidebitis animas vestras” (Lucas 21, 19)
            Pus-me hoje a refletir sobre a paciência. Gostaria de compartilhar as conclusões a que cheguei. Evitarei, na medida do possível, o uso de termos oriundos do vocabulário filosófico, e o faço por falta de domínio de minha parte, bem como para facilitar a compreensão do leitor não familiarizado a esses termos.
            A paciência é uma virtude; um bom hábito; uma qualidade; um bom atributo. Mas dizer isso é pouco, é preciso especificá-la; defini-la para que nos aproximemos de sua essência. Pois bem, a paciência é uma virtude que consiste em quê? Digo-o de modo simples: a paciência é uma virtude que consiste em sofrer corretamente as adversidades.
            Acompanhem-me nos desdobramentos de tão simples definição.
            As adversidades são os sofrimentos e as dificuldades que nos acompanham ao longo da vida, e aqui não precisamos de maiores elucubrações. As adversidades podem causar em nós três tipos de sentimentos: tristeza, raiva e medo. Cada tipo desses comporta sentimentos derivados ou próximos, por exemplo: da tristeza deriva o desânimo; da raiva a pressa e o rancor; do medo a ansiedade e a apreensão. Esses sentimentos podem nos levar, se permitirmos, a cometer pecados. Assim, a tristeza pode nos levar à preguiça, ao desespero, etc.; a raiva pode nos levar a ofensas, a juízos temerários e a uma série de outros pecados; e o medo pode nos levar, por exemplo, a não confiarmos em Deus como deveríamos.
            A virtude refere-se sempre a escolhas e, portanto, a atos voluntários. Muitas das adversidades pelas quais passamos são involuntárias e ocorrem independentemente de nossas escolhas e sem que tenhamos culpa. Os sentimentos que decorrem das adversidades também não são voluntários: quem censuraria alguém que ficou triste por perder um ente querido? Quem censuraria alguém por sentir raiva ao sofrer uma injustiça? Ninguém pode ser censurado pelos sentimentos que lhe acometem, pois eles são parte da natureza humana e possuem uma utilidade cuja elucidação foge aos propósitos do presente texto. Há, no entanto, importantes ressalvas a serem feitas: ninguém pode ser responsabilizado por um sentimento que lhe acomete, mas pode sim sê-lo pelos sentimentos provocados por sua própria escolha, pode sê-lo também pelos incentivos que dá a esses sentimentos e pelo modo como lida com eles, pois então há escolhas.
            A batalha encampada pela virtude da paciência bifurca-se então em duas trincheiras: moderar os sentimentos causados pelas adversidades e resistir às tentações advindas desses sentimentos. Ilustremos com uma situação hipotética: alguém perde um ente querido e com isso obviamente ficará triste. A tristeza fará surgir em sua alma tentações inúmeras[1]: entregar-se ao desespero; abandonar seus deveres de estado; revoltar-se contra a Providência, etc. O que deve fazer neste caso para exercer a virtude da paciência? Esforçar-se para desviar seu coração da tristeza (moderação dos sentimentos) e resistir às tentações praticando o contrário do que elas sugerem: se sugerem o desespero, praticará a esperança; se sugerem o abandono dos deveres de estado cumpri-los-á com ainda maior diligência; se sugerem a revolta contra a Providência, submeter-se-á em tudo à Vontade de Deus.
            O Evangelho nos diz que a cada dia basta o seu mal. Faz parte, portanto, da virtude da paciência o enfrentar as dificuldades no momento oportuno, sem sofrimentos antecipados e sem reviver dificuldades já superadas. O fato é que sofre-se muito por razões fictícias; por adversidades futuras que não passam de meras hipóteses ou por aquelas que dormem enterradas no passado. Não age pacientemente aquele que cai em tais armadilhas.
            Vê-se que, diferente do que parece, a paciência está longe de ser uma virtude pacífica, pelo contrário, é uma virtude guerreira, própria dos varonis, dos heróicos. Ela supõe uma enorme capacidade de concentração, de vigilância espiritual, de domínio de nossa vida interior; supõe ainda a contemplação diligente e assídua das Verdades da Fé. Nunca é demasiado lembrar que nada se faz de realmente virtuoso sem a Graça de Deus.
            Esperar de modo correto também faz parte da paciência, e geralmente é nesse sentido que ela é comumente entendida. Quem espera algo logo se sente tentado a reclamar, a ceder à exasperação. Se almejamos o céu, precisamos saber esperar; se almejamos as Graças de Deus, precisamos saber esperar e até mesmo para alcançar a virtude da paciência precisaremos saber esperar.
            A virtude da paciência só adquire seu verdadeiro sentido no âmbito sobrenatural, isto é, quando somos pacientes por amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos por amor a Deus. Isto inclui, obviamente, ser paciente tendo em vista o alcance, pela Graça de Deus, do Paraíso.
           


[1] As tentações não são provenientes apenas de nossa natureza ferida pelo pecado original, mas também do demônio e do mundo. A paciência é, portanto, a luta contra os três inimigos da alma: o demônio, o mundo e a carne.