“Pensa
na morte e não pecarás” aí está um famoso e muito importante adágio católico.
De fato para pecar é preciso certo esquecimento: é preciso estar esquecido da
morte e não só da morte, mas dos novíssimos em geral: morte, juízo, inferno e
paraíso.
A certeza da morte deve ser levada
mortalmente a sério, mas não é o que acontece. Levam-se a sério bagatelas e
ilusões quase sempre incertas, mas a morte, certíssima, cai no esquecimento. A
fraqueza humana não suporta com facilidade tais considerações: para os
materialistas afigura-se, em geral, como uma lembrança dolorosa e inútil; para
os que possuem a verdadeira Fé, a meditação sobre a morte traz, para a maioria,
a perspectiva aterradora do juízo e para alguns (santos ou portadores de grande
progresso espiritual) traz a alegria proveniente da grande esperança que
possuem de se unirem finalmente a Deus.
A vida é um drama. Não se pode
considerar seriamente o quão crucial ela é e permanecer com o semblante ameno.
Uma vez salvo, salvo para sempre; uma vez perdido, eternamente perdido. Quão
marcante, quão profunda e quão difícil essa verdade! Quão arriscada a vida!
Riscos e oportunidades imensos escondidos a cada instante: riscos de cair no
pecado; oportunidades de acolher as graças de Deus; riscos de deixar o
pensamento em futilidades ou coisas más; oportunidades de permanecer na
presença de Deus e de rezar jaculatórias. A cada instante, a cada situação, por
triviais que pareçam, encontram-se sempre um abismo horrendo aos nossos pés e
uma glória infinita acima de nós.
Uma coisa é saber uma verdade por
uma fraca notícia, outra bem diferente é impregnar-se dela mediante constantes
e repetidas meditações. A morte revela o quão decisiva é a vida, quem nela
medita (na morte) descobre grandes coisas porque a grandiosidade do momento da
morte está, na verdade, presente em cada instante da vida, mas de maneira
escondida; escondida pelo demônio, pelo mundo e pela carne.
Dom Quixote, famoso personagem de
Cervantes, recobra a lucidez no momento da morte; retratando assim a
experiência bem difundida de que no momento da morte muitos acontecimentos de
nossa vida nos aparecem sob uma nova luz. Que Deus nos dê a graça de uma
lucidez sobrenatural e que então possamos viver tendo diante dos olhos esse
momento crucial em que entraremos para a eternidade. Viveremos então com um
sábio temor, o contrário da presunção; e com uma doce esperança, o contrário do
desespero.
Observações: uma
obra que me causou grande impressão a respeito da questão aqui tratada é Preparação
Para a Morte: Considerações Sobre as Verdades Eternas de Santo Afonso
Maria de Ligório, aproveito para indicá-la. E a seguir uma meditação de São
Francisco de Sales contida no seu livro Filoteia:
“Preparação
1. Põe-te na presença de Deus.
2. Pede a Deus a sua graça.
3. Imagina que te achas enfermo, no leito de morte, sem nenhuma esperança de vida.
2. Pede a Deus a sua graça.
3. Imagina que te achas enfermo, no leito de morte, sem nenhuma esperança de vida.
Consideração
I. Considera, minha alma, a incerteza do dia da
morte. Um dia sairás do teu corpo. Quando será? Será no inverno ou no verão ou
em alguma outra estação do ano? No campo ou na cidade, de noite ou de dia? Será
dum modo súbito ou com alguma preparação? Será por algum acidente violento ou
por uma doença? Terás tempo e um sacerdote para te confessares? Tudo isto é
desconhecido, de nada sabemos, a não ser que havemos de morrer indubitavelmente
e sempre mais cedo que pensamos.
II. Grava bem em teu espírito que então para ti já não
haverá mundo, vê-lo-ás perecer ante teus olhos; porque então os prazeres, as
vaidades, as honras, as riquezas, as amizades vãs, tudo isso se te afigurará
como um fantasma, que se dissipará ante tuas vistas. Ah! Então haverás de
dizer: por umas bagatelas, umas quimeras, ofendi a Deus, isto é, perdi o meu
tudo por um nada. Ao contrário, grandes e doces parecer-te-ão então as boas
obras, a devoção e as penitências, e haverás de exclamar: Oh! Por que não segui
eu esta senda feliz? Então, os teus pecados, que agora tens por uns átomos,
parecer-te-ão montanhas e tudo o que crês possuir de grande em devoção será
reduzido a um quase nada.
III. Medita esse adeus grande e triste que tua alma
dirá a este mundo, às riquezas e às vaidades, aos amigos, a teus pais, a teus
filhos, a um marido, a uma mulher, a teu próprio corpo, que abandonarás imóvel,
hediondo de ver e todo desfeito pela corrupção dos humores.
IV. Prefigura vivamente com que pressa levarão embora
este corpo miserável, para lançá-lo na terra, e considera que, passadas essas
cerimônias lúgubres, já não se pensará mais de todo em ti, assim como tu não
pensas nas pessoas que já morreram. “Deus
o tenha em sua paz” — há de dizer-se — e com isso está tudo acabado para
ti neste mundo. Ó morte, sem piedade és tu! A ninguém poupas neste mundo.
V. Adivinhas, se podes, que rumo seguirá tua alma, ao
deixar o teu corpo. Ah! Para que lado se há de voltar? Por que caminho entrará
na eternidade? — É exatamente por aquele que encetou já nesta vida.
Afetos e
resoluções
1. Ora ao Pai das misericórdias e lança-te em
seus braços. Ah!
Tomai-me, Senhor, debaixo de vossa proteção, neste dia terrível, empenhai a
vossa bondade por mim, nesta hora suprema de minha vida, para torná-la feliz,
ainda que o resto de minha vida seja referto de tristezas e aflições.
2. Despreza o mando. Já que não sei a hora em que hei de te deixar, ó
mundo; já que esta hora é tão incerta, não me quero apegar a ti. Ó meus
queridos amigos, permiti que vos ame unicamente com uma amizade santa e que
dure eternamente; pois, para que unir-nos de modo que seja preciso em breve
romper esses laços?
Quero
preparar-me para esta última hora; quero tranquilizar minha consciência; quero
dispor isso e aquilo em ordem e predispor-me do necessário para um passamento
feliz.
Conclusão
Agradece a Deus por estas boas
resoluções que te fez tomar, e oferece-as à Divina Majestade; suplica-lhe que,
pelos merecimentos da morte de seu Filho, te prepare uma boa morte; implora a
proteção da Santíssima Virgem e dos santos. Pai-Nosso, Ave-Maria.”[1]
[1] Peguei a
meditação do site https://rumoasantidade.com.br/filoteia/capitulo-13-meditacao-sobre-morte/
para não precisar digitar, mas conferi com o livro que tenho em casa e fiz
algumas correções. A edição que tenho em
casa é Vozes, 2012. (Vozes de Bolso)