Por Uma Intelectualidade Cristã!







segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Vossa Senhoria Morrerá


            “Pensa na morte e não pecarás” aí está um famoso e muito importante adágio católico. De fato para pecar é preciso certo esquecimento: é preciso estar esquecido da morte e não só da morte, mas dos novíssimos em geral: morte, juízo, inferno e paraíso.
            A certeza da morte deve ser levada mortalmente a sério, mas não é o que acontece. Levam-se a sério bagatelas e ilusões quase sempre incertas, mas a morte, certíssima, cai no esquecimento. A fraqueza humana não suporta com facilidade tais considerações: para os materialistas afigura-se, em geral, como uma lembrança dolorosa e inútil; para os que possuem a verdadeira Fé, a meditação sobre a morte traz, para a maioria, a perspectiva aterradora do juízo e para alguns (santos ou portadores de grande progresso espiritual) traz a alegria proveniente da grande esperança que possuem de se unirem finalmente a Deus.
            A vida é um drama. Não se pode considerar seriamente o quão crucial ela é e permanecer com o semblante ameno. Uma vez salvo, salvo para sempre; uma vez perdido, eternamente perdido. Quão marcante, quão profunda e quão difícil essa verdade! Quão arriscada a vida! Riscos e oportunidades imensos escondidos a cada instante: riscos de cair no pecado; oportunidades de acolher as graças de Deus; riscos de deixar o pensamento em futilidades ou coisas más; oportunidades de permanecer na presença de Deus e de rezar jaculatórias. A cada instante, a cada situação, por triviais que pareçam, encontram-se sempre um abismo horrendo aos nossos pés e uma glória infinita acima de nós.
            Uma coisa é saber uma verdade por uma fraca notícia, outra bem diferente é impregnar-se dela mediante constantes e repetidas meditações. A morte revela o quão decisiva é a vida, quem nela medita (na morte) descobre grandes coisas porque a grandiosidade do momento da morte está, na verdade, presente em cada instante da vida, mas de maneira escondida; escondida pelo demônio, pelo mundo e pela carne.
            Dom Quixote, famoso personagem de Cervantes, recobra a lucidez no momento da morte; retratando assim a experiência bem difundida de que no momento da morte muitos acontecimentos de nossa vida nos aparecem sob uma nova luz. Que Deus nos dê a graça de uma lucidez sobrenatural e que então possamos viver tendo diante dos olhos esse momento crucial em que entraremos para a eternidade. Viveremos então com um sábio temor, o contrário da presunção; e com uma doce esperança, o contrário do desespero.

Observações: uma obra que me causou grande impressão a respeito da questão aqui tratada é Preparação Para a Morte: Considerações Sobre as Verdades Eternas de Santo Afonso Maria de Ligório, aproveito para indicá-la. E a seguir uma meditação de São Francisco de Sales contida no seu livro Filoteia:

“Preparação
1. Põe-te na presença de Deus.
2. Pede a Deus a sua graça.
3. Imagina que te achas enfermo, no leito de morte, sem nenhuma esperança de vida.
Consideração
I. Considera, minha alma, a incerteza do dia da morte. Um dia sairás do teu corpo. Quando será? Será no inverno ou no verão ou em alguma outra estação do ano? No campo ou na cidade, de noite ou de dia? Será dum modo súbito ou com alguma preparação? Será por algum acidente violento ou por uma doença? Terás tempo e um sacerdote para te confessares? Tudo isto é desconhecido, de nada sabemos, a não ser que havemos de morrer indubitavelmente e sempre mais cedo que pensamos.
II. Grava bem em teu espírito que então para ti já não haverá mundo, vê-lo-ás perecer ante teus olhos; porque então os prazeres, as vaidades, as honras, as riquezas, as amizades vãs, tudo isso se te afigurará como um fantasma, que se dissipará ante tuas vistas. Ah! Então haverás de dizer: por umas bagatelas, umas quimeras, ofendi a Deus, isto é, perdi o meu tudo por um nada. Ao contrário, grandes e doces parecer-te-ão então as boas obras, a devoção e as penitências, e haverás de exclamar: Oh! Por que não segui eu esta senda feliz? Então, os teus pecados, que agora tens por uns átomos, parecer-te-ão montanhas e tudo o que crês possuir de grande em devoção será reduzido a um quase nada.
III. Medita esse adeus grande e triste que tua alma dirá a este mundo, às riquezas e às vaidades, aos amigos, a teus pais, a teus filhos, a um marido, a uma mulher, a teu próprio corpo, que abandonarás imóvel, hediondo de ver e todo desfeito pela corrupção dos humores.
IV. Prefigura vivamente com que pressa levarão embora este corpo miserável, para lançá-lo na terra, e considera que, passadas essas cerimônias lúgubres, já não se pensará mais de todo em ti, assim como tu não pensas nas pessoas que já morreram. “Deus o tenha em sua paz” — há de dizer-se — e com isso está tudo acabado para ti neste mundo. Ó morte, sem piedade és tu! A ninguém poupas neste mundo.
V. Adivinhas, se podes, que rumo seguirá tua alma, ao deixar o teu corpo. Ah! Para que lado se há de voltar? Por que caminho entrará na eternidade? — É exatamente por aquele que encetou já nesta vida.
Afetos e resoluções
1. Ora ao Pai das misericórdias e lança-te em seus braços. Ah! Tomai-me, Senhor, debaixo de vossa proteção, neste dia terrível, empenhai a vossa bondade por mim, nesta hora suprema de minha vida, para torná-la feliz, ainda que o resto de minha vida seja referto de tristezas e aflições.
2. Despreza o mando. Já que não sei a hora em que hei de te deixar, ó mundo; já que esta hora é tão incerta, não me quero apegar a ti. Ó meus queridos amigos, permiti que vos ame unicamente com uma amizade santa e que dure eternamente; pois, para que unir-nos de modo que seja preciso em breve romper esses laços?
            Quero preparar-me para esta última hora; quero tranquilizar minha consciência; quero dispor isso e aquilo em ordem e predispor-me do necessário para um passamento feliz.

Conclusão
            Agradece a Deus por estas boas resoluções que te fez tomar, e oferece-as à Divina Majestade; suplica-lhe que, pelos merecimentos da morte de seu Filho, te prepare uma boa morte; implora a proteção da Santíssima Virgem e dos santos. Pai-Nosso, Ave-Maria.”[1]


[1] Peguei a meditação do site https://rumoasantidade.com.br/filoteia/capitulo-13-meditacao-sobre-morte/ para não precisar digitar, mas conferi com o livro que tenho em casa e fiz algumas correções.  A edição que tenho em casa é Vozes, 2012. (Vozes de Bolso)