Em geral os argumentos usados pelos
incrédulos são absurdos, mas um se sobressai por expressar uma grande cegueira
e, sobretudo, orgulho. Trata-se de um argumento que se apresenta das mais
variadas formas, mas que em essência consiste em dizer que uma coisa não pode
ser de determinada maneira, pois se assim fosse seria irracional, cruel,
desagradável e assim por diante. Baseando-se nesse argumento os ateus dizem que
Deus não pode existir, pois caso Ele existisse não teria permitido o mal;
outros dizem que não existe inferno, pois seria incompatível com a misericórdia
de Deus; e há até mesmo os que dizem que os milagres não podem ocorrer, já que
Deus não quebraria Suas próprias Leis. Esconde-se por trás dessa esdrúxula
argumentação a tentativa de julgar aquilo que simplesmente não está ao alcance
do homem.
É simplesmente óbvio que o homem não
pode saber por que Deus fez as coisas de um determinado jeito e não de outro.
Não é possível saber por que Deus fez o cavalo com quatro patas e não com dez,
Deus executa a Sua Vontade Onipotente e ninguém pode aconselhá-lo: “Ó abismo da riqueza, da sabedoria e da
ciência de Deus! Como são insondáveis seus juízos e impenetráveis seus
caminhos! Quem, com efeito, conheceu o pensamento do Senhor? Ou quem se tornou
seu conselheiro? Ou quem primeiro lhe fez o dom para receber em troca? Porque
tudo é dEle, por Ele e para Ele. A Ele a glória pelos séculos! Amém.” (Romanos
11, 33-36).
A maioria dos fenômenos que regem o universo
nos são completamente incontroláveis, de modo que observamos impotentes as
coisas acontecendo ao nosso redor e por maior progresso que a ciência tenha
alcançado essa impotência continua, pois ela faz parte da essência das coisas e
pertence a algo que não podemos alterar. Podemos sim realizar muitas coisas,
mas não podemos alterar essencialmente a ordem que existe no universo, até
porque somos parte dessa mesma ordem e não seus criadores. Não podemos fazer o
olho ouvir ou os ouvidos verem. Não somos os criadores do nosso próprio ser e
nossa liberdade nada tem a ver com onipotência, mas expressa também nossa
impotência, pois a nossa liberdade não nos dá o poder de realizar
irrestritamente a nossa vontade. Somos vasos nas mãos do supremo oleiro, sendo
assim: “Ai daquele que contende com o seu
Criador! o caco entre outros cacos de barro! Porventura dirá o barro ao que o
formou: Que fazes?...” Isaías
45:9.
Quando um engenheiro constrói mal uma casa, quando
um escultor não executa com a devida perfeição uma obra, enfim quando qualquer
artífice não realiza bem o seu trabalho, podemos sempre avaliá-lo tendo como
base um outro artífice da mesma categoria, sendo que o bom artífice serve como
critério para que possamos julgar os demais. O mesmo não ocorre com o universo,
pois só existe um único universo, de forma que não podemos buscar alhures
elementos para uma comparação, logo quando o descrente tenta encontrar defeitos
na ordem divina do universo está agindo com descabida pretensão. “Que haveis de comparar a Deus? Que
semelhança podereis produzir dele?” (Isaías
40:18). Onde encontrará ele outro
universo para impugnar este? Será obrigado a apelar para a própria fantasia,
para os próprios desejos e assim será obrigado a comparar o único e real
universo ao universo maravilhoso de sua insensata pretensão. Aí está delineado
o velho princípio gerador de todo o pecado:
“Subirei acima das nuvens, tornar-me-ei semelhante ao Altíssimo”; “...Vossos
olhos se abrirão e sereis como deuses...”, cuja única resposta adequada é
aquela dada por São Miguel Arcanjo: “Quem
como Deus?”.
O caminho correto é saber em primeiro lugar
como as coisas são e a partir disso tirar novas conclusões, e não tentar
descobrir como é a realidade partindo do que nos seria mais plausível ou
agradável. A lógica[1] e
as nossas preferências, mesmo as mais nobres, não podem jamais descobrir como é
a realidade, tampouco quando se trata da Realidade Divina. Por exemplo: ninguém
jamais pode dizer que não acredita que uma árvore produz frutos azedos alegando
que isso seria ilógico, ou alegando que isso seria desagradável, ou, mais
absurdo ainda, que seria contra a misericórdia de Deus; essa questão é factual
e para resolvê-la bastam os sentidos. O mesmo não ocorre com as coisas divinas.
É impossível conhecer as coisas de
Deus sem a Sua revelação, pois os objetos da Fé estão infinitamente acima da
capacidade humana. Sendo assim nós devemos partir da Revelação e só depois usar
a lógica para chegar a novas conclusões. Deus não nos convence com argumentos,
mas com Sua autoridade e Poder; Deus não entra num diálogo com o homem para
discutir Sua Doutrina, Ele a impõe. Obviamente Ele nos torna capaz de aceitar
essa doutrina através de uma virtude chamada Fé, através dessa virtude nós
conseguimos aderir firmemente a tudo o que ele nos revelou, pois Deus não pode
Se enganar nem enganar-nos. Essa virtude não é um convencimento lógico-racional
que nos é incutido por Deus, mas uma adesão que provém em parte da razão (que
reconhece a pertinência de aderir à sublimidade daquilo que é revelado), e,
sobretudo, provém da vontade. Através dos sacramentos, recebemos de Deus essa
virtude teologal, a partir de então percorremos uma caminhada para aprender o
conteúdo dessa Fé, esse conteúdo é a Doutrina propriamente dita.
A Doutrina nos dá então a conhecer os fatos a
respeito da realidade divina. A partir deles podemos então formular novos
raciocínios para tentar compreender o mundo à nossa volta, e não o contrário:
tentar olhar o mundo à nossa volta para tentar compreender a realidade divina.
É verdade que olhando ao nosso redor podemos conhecer algumas coisas sobre
Deus, como sua existência, poder etc., mas como poderíamos, por exemplo, saber
que Ele é Uno e Trino? Como poderíamos saber da Redenção? Dito isso, resulta
claramente ser uma loucura querer inquirir as realidades divinas sem apoiar-se
na Revelação.
Para aqueles que duvidam que a
Igreja Católica Apostólica Romana seja a única portadora dessa Revelação, basta
estudar a sua história e ver com que dons extraordinários Deus cumulou a Sua
Igreja, livrando-a das ímpias perseguições movidas pelos mais variados inimigos
da Fé; como a adornou com exemplos da mais heróica santidade; como proveu os mártires
com sobrenatural fortaleza; e finalmente contemplar os extraordinários milagres
realizados por Deus para confirmar que Ele está presente e vivo na Sua Única
Igreja. Obviamente esse simples estudo é apenas um auxílio, pois a conversão é
obra do Espírito Santo, por isso o que se recomenda é oração, vida de virtudes
e muita busca, pois Jesus disse que aquele que procura encontra.
Nem sempre as coisas são como nós
queremos, só Deus é Onipotente. Às vezes os incrédulos são tentados a perguntar
com soberba o porquê de certas regras morais, o porquê do inferno, o porquê do
sofrimento. Mas a realidade esta aí para nos lembrar que a morte virá,
desprezando completamente a revolta que contra ela se possa nutrir; a doença
virá independente de aceitação e Deus nos julgará impreterivelmente. Nem
Lúcifer, que antes da queda era um dos anjos mais poderosos, pôde alterar os
desígnios de Deus, sua revolta só serviu para sua condenação e dos que o
seguiram (inclusive homens). Diante disso resta escolher entre amar a Deus por
toda a eternidade ou a condenação. Nada mais justo, pois quem rejeita o Bem
Supremo, não pode possuir nenhum bem, e merece todos os males.
Chesterton com toda a elegância e
brilhantismo que lhe é peculiar nos diz em seu livro “Ortodoxia” que a ordem
que encontramos no universo demonstra não uma automática necessidade como
querem os ateus deterministas, mas uma vontade. E que vontade poderia ser senão
a Vontade Divina? O mundo moderno, iludido pelo progresso científico, não
consegue ver o mistério que o universo contém, quer tudo enquadrar em leis necessárias
e assim parece acreditar que será capaz de explicar tudo. Chesterton refuta
essa mentalidade de modo poético e põe a descoberto sua fragilidade, pois a
repetição dos fenômenos não prova uma necessidade automática, mas uma vitalidade
que ele compara com a vitalidade de uma criança que repete inúmeras vezes a
mesma brincadeira, segundo ele talvez Deus seja suficientemente forte para
exultar na monotonia. Além disso, a repetição de algo misterioso não nos
deveria levar a uma familiarização, mas a um fascínio ainda maior. O fato de o
sol nascer uma vez seria assombroso, mas o fato de o sol nascer inúmeras vezes
é ainda mais assombroso. A ciência não pode explicar esses mistérios, tenta
apenas enquadrá-los dentro de determinadas leis, mas não pode explicar o seu
porquê. E por que não o pode? Simplesmente porque trata-se de uma vontade
divina, e ao final de todas as séries de perguntas a resposta final será
sempre: “porque Deus quis assim.”
Eis então um grande ensinamento e, mais que
isso, um antídoto contra o orgulho e esse seu fruto amargo que é o ateísmo: não
olhar o mundo com os olhos decrépitos do determinismo, mas com o olhar inocente
e vivaz das crianças, com aquele olhar que é capaz de exultar nas maravilhosas
repetições com que todos os dias somos contemplados.
[1] Não
quero afirmar com isso que o conteúdo da fé contraria a razão, mas simplesmente
que a transcende.