O
Hugo tem oito meses. Tenho contemplado-o bastante ultimamente. Sua beleza
infantil, sua pureza e inocência têm prendido a minha atenção e me convidado a
muitas reflexões. Certamente há muito o que aprender nessa contemplação.
No mar de malícia em que nos
encontramos, as crianças brilham fulgurantemente, a luz de sua pureza contrasta
com as trevas da imundície que nos cerca. De tanto observar esse meu filho mais
novo, acabei por constatar que ele poderia ser um oásis para lembrar-me de
coisas elevadas. Como que diante de um milagre indestrutível encontrei-me e ao
contemplar tal maravilha passei a desconfiar de que Deus quer eloquentemente
ensinar-me algo.
Não seria exagero meu afirmar que o
Hugo (meu filho de oito meses) se encontra em estado de santidade: não possui
pecados pessoais e foi liberto do pecado original pelo Batismo. Sua alma
inocente encontra-se na mais bela amizade com Deus.[1]
Essa idade que ele tem agora é
particularmente especial, pois antes disso a criança quase não esboça reações e
a partir dessa idade a pureza vai se perdendo aos poucos para dar lugar às
imperfeições, que na maior parte das vezes não são culposas, mas mesmo assim
parece que começam a macular a candura que até então nos encantava. É claro que
esse processo ocorre muito lentamente, de modo que podemos ver as manifestações
dessa pureza em crianças bem maiores e até mesmo em adultos (nesse caso muito
raramente). Em todo caso, Deus parece nos reservar bem pouco tempo para
contemplar essa extraordinária sublimidade, pois as crianças crescem muito
rápido e infelizmente o pecado e as imperfeições vão destruindo essa esplêndida
inocência que o evangelho nos ensina a admirar e buscar.
O que atrai na criança não é apenas
a beleza, não é apenas a inocência e a pureza, mas algo de especial que
obviamente não sou capaz de dizer. Arrisco dizer (e se estiver errado
desconsiderem e corrijam) que um adulto que não tivesse nunca cometido pecados
não seria tão encantador e puro quanto uma criança, embora certamente teria
mais méritos. Isso ocorreria porque mesmo não pecando, esse adulto teria
desenvolvido as imperfeições causadas pelo pecado original, algo que à criança
ainda não teria ocorrido por falta de tempo. Observando por esse ângulo somos
levados a considerar o encanto de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Sua Santíssima
mãe que não possuem com o pecado nem o mais longínquo contato; podemos
considerar também o encanto de São João Batista que foi santificado no ventre
de sua mãe.
A criança até determinado estágio
não tem os meios para pecar, não tem vontade de pecar, não tem capacidade para
pecar e não tem entendimento para pecar. A criança é completamente ignorante e
sendo assim não pode pecar, pois a ignorância, quando não é culposa, exclui a
responsabilidade pelo erro cometido.
Cristo nos diz que para entrarmos no
Reino dos Céus é preciso que nos tornemos como crianças. Permito-me dizer que
ele disse isso em sentido alegórico, portanto devemos ser ignorantes como as
crianças, mas não da mesma forma, pois elas são ignorantes devido à sua própria
condição, coisa que não cabe aos adultos, que em geral têm a obrigação de
aprender muitas coisas, sobretudo as referentes à salvação. Como então deve o adulto
ser ignorante? Creio que seja não confiando na própria sabedoria, no próprio
conhecimento, na própria inteligência, mas confiando primeiramente em Deus.
Pedindo a inspiração do Espírito Santo, entregando a Deus todas as faculdades e
rogando a Deus em humildade a cada passo que se dê.
A criança encontra-se numa situação
de extrema dependência. Ela não pode fazer quase nada sem o auxílio de alguém.
Em geral o adulto não é dependente a esse ponto, pois exibe uma autonomia muito
maior. Deve, no entanto, ser dependente como uma criança, para seguir o
conselho de Jesus. Depender de Deus para tudo, recorrer a Deus em tudo, pedir a
Deus auxílio em todas as necessidades e atribuir a Ele toda a glória.
Os pequenos ao fugirem dos perigos
vão em direção aos pais com uma confiança que é tocante. Esse é mais um dos
aspectos que devemos imitar se quisermos obedecer ao que Jesus nos diz a
respeito das crianças.
Quando Nosso Senhor nos diz que só
entraremos no Reino dos Céus se nos tornarmos como crianças, nos dá uma
condição para a Salvação, mas também nos aponta como seremos no Paraíso, isto
é, seremos puros como crianças, mesmo sendo adultos. Como tudo o que Deus criou
quer nos dizer algo, ao contemplar meu filho creio ter aprendido vagamente como
será um dos tantos milagres do Paraíso: ser um adulto pleno e ainda assim tão
belo, encantador, puro e inocente quanto uma criança de oito meses.
[1] Se eu estiver
dizendo algo que contrarie a Doutrina Católica desde já renuncio ao erro. Não
apenas neste texto, mas em qualquer outro de minha autoria. E isso também se
estende para qualquer coisa que eu disser ou pensar.